O drible da vaca
- Onda Esportiva
- 2 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
por Glauco Keller

O futebol, o esporte mais praticado no mundo, é formado por jogadas espetaculares, fruto da habilidade e criatividade dos jogadores que as executam. Muitas delas acabam sendo batizadas pelos torcedores com nomes criativos e singulares, baseados em situações do cotidiano que se assemelham ao lance executado.
O drible é um termo brasileiro – destaque-se, não português – para o termo dribble que em inglês significa pingar de um lado e de outro. Os antigos speakers passaram a designar o termo como enganar ou fingir e surgiu, assim, verbo de primeira conjugação driblar, em português.
É nele que o verdadeiro craque demonstra toda sua arte e habilidade com a bola nos pés, é a jogada que mais recebe adjetivos e, infelizmente, mais condenações também, afinal, hoje em dia qualquer jogada mais bonita é definida como afronta ou ofensa ao adversário. Estou convencido de que Garrincha não jogaria no futebol atual. Não por sua habilidade e seus dribles, mas, justamente, por eles. Ironias da evolução do futebol.
Mas falando em nomenclatura, podemos citar como exemplos bastante conhecidos: “elástico” criado por um japonês – acredite – mas, eternizado por Rivelino e, mais recentemente, a “pedalada”, eternizada por Robinho e muito usada por Neymar e Dentinho. Já outro drible, dos mais inusitados e conhecidos no vocabulário da bola, é o famoso “drible da vaca”.
Mas como surgiu essa jogada sensacional, na qual o jogador joga a bola por um lado do marcador e pega do outro?
Quando Charles Miller trouxe o futebol para o Brasil, em 1894, esse esporte era praticado basicamente nas cidades. Entretanto, logo se tornou uma paixão nacional e campos foram surgindo nos mais distantes lugares. Lembro que na minha adolescência e durante grande parte da idade adulta calejei minhas canelas jogando em várias fazendas da região pelo time da Belco, cujo técnico e bebedor principal era o meu amigo Edwin, irmão do radialista Antonio Carlos Tucura. Depois, sob o comando do técnico Reginaldo Nanni – único técnico formado em química e física que existe no futebol mundial – passei a integrar o elenco do digníssimo Juventus de Vila Prado e a continuei com as canelas roxas.
Nas fazendas onde jogávamos, o drible da vaca não aparecia muito, devido a qualidade técnica dos jogadores, mas ironicamente foi em uma fazenda que o termo surgiu. No meio rural muitos desses campos eram construídos ou improvisados à beira dos pastos ou currais das fazendas. Por isso, era comum durante os jogos o campo ser invadido por vacas furiosas, estimuladas pelas camisas multicoloridas dos jogadores.
Os atletas mais habilidosos, para não perder a bola e também para se livrar das vacas que vinham em sua direção, jogavam a bola por um lado e a pegavam do outro. E era uma festa para a torcida. A “jogada”, então, foi se popularizando e acabou chegando aos jogos oficiais. Assim, quando o jogador se livra do marcador utilizando esse mesmo artifício, está aplicando, na linguagem do futebol, o inusitado e divertido “drible da vaca”.
*Texto publicado originalmente no Jornal Primeira Página em novembro de 2010.
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