A pílula azul
- Onda Esportiva
- 17 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
por Glauco Keller

Desde criança Paulão queria ser zagueiro. Mais forte que seus colegas, podia ser centroavante ou meia-atacante, se quisesse. Seu gosto era, contudo, defender. De fato, sua habilidade e sua técnica eram bastante questionáveis, mas sua força física e posicionamento causavam arrepios nos maiores atacantes da Rua Floripe, no centro de Caianópolis.
No início da adolescência já integrava a equipe de juniores do time local e em uma partida amistosa contra o Madureira, do Rio de Janeiro teve finalmente seu valor reconhecido. O técnico adversário, apesar de ter vencido o jogo por um a zero, viu no zagueiro local qualidades que mereciam destaque. Paulão ia para a cidade grande.
Negro, um metro e noventa de altura e quase cem quilos, apesar da força a mobilidade de Paulão é que espantava. No título da segundona do Rio, quatro anos mais tarde, jovem ainda, já era o capitão da equipe e orgulhou-se de levantar o troféu.
Em jogos noturnos, era ainda mais bonito vê-lo jogar. Os holofotes dos estádios iluminavam sua cor retinta e as gotículas de seu suor desprendidas em cada cabeceio caindo sobre o gramado feito chuva de verão.
As previsões eram inequívocas. Iria para time grande e de lá para a Europa. Seleção? Diziam que se o Júnior Bahiano não se cuidasse não iria para a Copa.
Com as mulheres não era diferente. A atração que essas sentiam pelo zagueiro era proporcional ao prazer que os torcedores tinham em vê-lo jogar. As más línguas diziam que era tão vigoroso na cama quanto na caça aos atacantes adversários. Em dia de treino ou de jogo as Marias-Chuteiras se aglutinavam às cotoveladas para se aproximarem do astro. Todavia, todos eram unânimes em afirmar que Paulão era o único boleiro que não atraía a mulherada por causa de dinheiro. Até porque o salário que ganhava no Madureira só dava para pagar as contas e ajudar aos pais, Seo Adeval e Dona Ermelinda. O que se dizia é que na cama era um arraso. Tratava a mulherada feito rainhas durante o dia, mas à noite, no quarto, os instintos falavam alto. Sua fama ganhara o bairro e, posteriormente, toda a capital carioca. Orgulhava-se em dizer que não falhara nunca. Seus colegas de time ficavam até meio envergonhados no pós-jogo no vestiário, pois além de bater um bolão, Paulão era bem dotado, daqueles que quando tirava as cuecas bradava “ai que chão frio.”.
Entretanto, nos últimos tempos as coisas haviam mudado. Introspectivo e sem motivação para os treinamentos, o zagueiro já não era mais o mesmo. Era superado com facilidade por atacantes medíocres e em pouco tempo passou a ser hostilizado pela torcida local. O técnico João de Deus se questionava e esperava que aquilo fosse apenas uma fase. Teve até de mudar o esquema tático para três zagueiros para que a equipe tomasse menos gols. Não adiantou muito e o zagueirão de vinte e três anos foi parar no banco de reservas.
Entristecido, Paulão confidenciou a Tampinha, ponta habilidoso, atleta de Cristo já em fim de carreira e seu melhor amigo no elenco, que o problema é que não dava mais no couro e que aquilo o deixara desesperançoso. Havia falhado umas cinco ou seis vezes no último mês. Já tentara simpatia, concentração e até ovo de codorna batido com amendoim e nada funcionava.
Tampinha, que antes da conversão havia sido profundo conhecedor das casas de baixo meretrício do Rio, não teve dúvidas. Sacou da mochila uma cartela com dois comprimidos de Viagra e deu a seu melhor amigo. “Cortesia da Casa”, falou em tom de brincadeira. Ainda desconfiado, Paulão aceitou e resolveu como disse “chutar o pau da barraca”. Ligou para Lurdinha, sempre pronta para as ocasiões de solidão do zagueiro, e marcou de ir buscá-la no final da tarde.
Chegaram ao motel no Monza vinho do beque e foram direto para a suíte de luxo. O pagamento havia saído e Paulão não era homem de economizar nessas coisas.
Assim que entraram, como de costume Lurdinha quis tomar um banho e pediu que Paulão aguardasse um pouquinho. Viu naquele momento a oportunidade perfeita para tomar a pílula que ganhara. Tirou cuidadosamente o tablete do bolso e no momento em que retirava o comprimido da embalagem protetora fazendo aquele som singular que se define melhor como um “clique”, Lurdinha saiu do banheiro na busca de uma toalha e, vendo a cena, espantada perguntou:
“O que é isso, Paulão?”
Paulão, que já havia enfiado a dita cuja na boca, apesar de não se considerar lá muito inteligente, pensou rápido e respondeu:
“É pastilha para o hálito!”
“Dá uma?”, retrucou Lurdinha deixando alva a beleza do ébano que, rapidamente respondeu.
“Puxa, essa era a última.”
Após o banho, Lurdinha teve uma noite de amor inesquecível. Nunca vira Paulão tão empolgado. O zagueiro confessou mais tarde a seu amigo Tampinha que se sentira um pouco amortecido no local, mas que Lurdinha certamente não tinha percebido nada. Ficou pensando se ela havia notado que não estava com hálito de menta ou hortelã, mas o hálito de Paulão foi a última coisa em que Lurdinha pensou naquela noite.
O êxtase maior veio, contudo, no domingo à tarde quando, com dois gols de cabeça de Paulão e muitos outros dos adversários evitados, sua equipe venceu e se classificou para a semifinal da Taça Guanabara. Iria, pela primeira vez, jogar com o Mengão no Maracanã.
Feliz da vida, João de Deus, pagou os cinquenta reais que ficara devendo ao Tampinha, afinal, não teve coragem de entrar na farmácia e pedir Viagra e de muito menos dá-las ao Paulão. O que é que iriam pensar dele, pois já tinha sessenta e oito anos de idade e achava que essas coisas eram “coisas de moleque”.
*Texto publicado originalmente no Jornal Primeira Página em 7/8/2011.
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